A emblemática frase dita no final do século XIX por Monsenhor Domingos Evangelista Pinheiro, fundador da CIANSP – Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, aponta o caminho e ressalta a importância da adoção de uma nova modalidade de vida a partir da vivência do inesperado dia a dia do mundo pandêmico.
“Quem vigia, cuida. Vigiar é cuidar, é observar, é ter cuidado para com… e é nesta atitude que vive a esperança em dias melhores”, explica, nesta entrevista, Madre Teresa Cristina Leite, superiora da CIANSP e diretora do Colégio Piedade.
Que reflexão a senhora faz sobre esta autovigilância destacada e recomendada por Monsenhor Domingos?
Mais do que nunca, o cuidado é a palavra-chave para a compreensão desta autovigilância. Como diz Papa Francisco, o cuidado para com o outro e para com nosso planeta, nossa casa comum, é a nova modalidade a ser adotada. E este vigiar-se, aponta para a ética nas relações com outro e com o meio e para a ecologia pela compreensão da interdependência entre todos os seres. As mudanças são muitas; são mudanças na escolha de atitudes, de hábitos, de rotinas. As minhas escolhas políticas, de alimentação e de postura diante do outro interferem na vida coletiva e na casa comum que é o planeta Terra.
Compartilhe conosco alguns exemplos destas mudanças percebidas pela senhora.
• As reuniões de pais estão atendendo quantitativos de responsáveis nunca antes atingidos – vigiaremos para seguir oferecendo oportunidade para que os pais possam estar “presentes” nos encontros escolares.
• A redução na produção de lixo atingiu patamares até então inacreditáveis – vigiaremos sobre nossa produção de resíduos.
• Encontramos novas formas de ensinar e de aprender – vigiaremos para que estas descobertas e recursos tecnológicos sejam empregados com intencionalidade no sentido de ampliar a qualidade da produção intelectual de nossos estudantes e de nossas equipes pedagógicas.
• Conseguimos nos comunicar com famílias, funcionários e professores sem utilizar uma folha de papel ou uma gota de tinta – vigiaremos para que a tecnologia siga cumprindo sua missão facilitadora e promotora de responsabilidade nas relações ecológicas de sustentabilidade.
• Descobrimos que, mesmo à distância, professores são insubstituíveis – celulares, tablets e laptops são apenas instrumentos – vigiaremos para que mestres sigam ocupando lugar de destaque na missão de fortalecer os vínculos afetivos que sustentam quaisquer processos educativos que se pretendam significativos.
• Percebemos, diariamente, que a parceria entre família e escola e a resiliência de nossos estudantes e professores são valores inestimáveis – vigiaremos para que estes laços criados sejam estreitados e fortalecidos cotidianamente.
• Compreendemos a importância de valorizar essencialmente a pesquisa e a produção científica, o conhecimento, os saberes – vigiaremos nossos estudantes para seguirmos fomentando neles o desejo pela busca incansável do conhecimento.
A senhora acredita que este “vigiar” pode ir além do ato de observar-se?
Muito além! A vigilância, sob este prisma do cuidado, assume o aspecto de uma atitude ecológica de reconhecimento da interdependência como característica fundamental da vida no planeta – de alguém que, finalmente, estudou sua “casa” e sabe cuidar dela. A palavra ecologia tem origem grega: “eco”, casa e “logos”, “estudo”. Trata-se, portanto, do estudo do local onde vivemos. Assim, ecologia pode ser interpretada como a ciência que estuda os seres vivos em “suas casas”, no meio em que vivem. Ser este ser vigilante é ser ecológico, mas sob um olhar muito mais abrangente.
Podemos fazer uma analogia entre reciclagem e mudança de hábitos?
Sim. Por exemplo, os Rs da reciclagem – repensar, recusar, reduzir, reutilizar e reciclar – a partir desta reflexão, abrangem muito além do lixo enquanto referência ao resíduo descartável. Estamos nos adaptando a um novo paradigma, vivemos uma fase de produção e de perdas, de medos e de esperanças. O desconhecido nos transforma e, diante das incertezas, as ações advindas dos Rs devem refletir, filosoficamente, em nossas atitudes, em nossas palavras, em nossos relacionamentos, em nossos hábitos.
Antes de tudo, é preciso Repensar nossas atitudes de produção no mundo e na sociedade; Recusar o que não fará diferença para a produção intelectual, mas que fará diferença ao não ser descartado na casa comum; criar estratégias para Reduzir a produção do que não agrega valor e Reutilizar para valorizar a criatividade.
Inspirados na fala da Flávia Lemes, fundadora da Casa Causa e embaixadora do Instituto Lixo Zero Brasil, enquanto escola, vigiaremos sobre nós mesmos repensando nossas ações e recusando, além da produção do “lixo concreto”, a produção de “palavras-lixo”, “atitudes-descartáveis”, pensamentos indesejáveis, relacionamentos nocivos e tantos outros “lixos” que reduziremos em busca de uma vida coletiva com menos “lixo” e mais RsRsRsRs….
Qual foi a grande aprendizagem deste novo cenário neste contexto?
É um momento privilegiado para a escuta das vozes que a situação nos traz. A necessidade de pensarmos, tão urgentemente na saúde, me faz pensar que aprendemos muito sobre a importância do investimento na produção científica e em toda e qualquer ação de preservação da vida.
Acredito que, fundamentalmente aprendemos sobre interdependência – como nos ensina a sábia palavra de origem africana – UBUNTU – “eu sou porque você é”. Nesta pandemia, compreendemos que me cuidar resulta em cuidar do outro e em cuidar do todo ao mesmo tempo. Ubuntu! Percebemos que “vigiar sobre nós mesmos” é o mesmo que cuidar de mim, cuidando do meu semelhante. Ubuntu! Aprendemos que mais importante do que vigiar o outro é ensinar e aprender a “vigiar-se” com vistas a uma nova modalidade de vida.